Escola de Vela Oceano
Por Marcelo Visintainer Lopes
Vale a pena comprar um barco com osmose?
Meu objetivo com este artigo é esclarecer que a osmose não é um problema exclusivo de algumas marcas ou modelos, mas sim dos processos e da permeabilidade natural dos materiais usados na construção em fibra de vidro.
Estaleiros com reputação sólida investem fortemente em controle de qualidade – monitoram temperatura e umidade durante a laminação, alocam mão de obra especializada, fazem medição cuidadosa das proporções dos materiais e respeitam rigorosamente os tempos de cura.
A laminação a vácuo seria uma das melhores formas de reduzir ou retardar o processo de osmose, mas, por diversas razões, esse método ainda é pouco utilizado no Brasil. O custo inicial é elevado (praticamente o dobro do valor da laminação convencional) e a complexidade técnica do processo exige mão de obra especializada, além de moldes que resistam à aplicação de vácuo.
Além das vantagens estruturais e de redução de peso, o uso do vácuo elimina espaços de ar entre fibras e resina, produzindo laminados com mínima presença de vazios.
A ausência de bolhas e porosidades ínfimas dificulta a penetração de água e impede o acúmulo de fluido sob o gelcoat; fatores essenciais para a formação da osmose.
O fato é que, independentemente do porte ou prestígio, a osmose pode afetar qualquer estaleiro.
Como as bolhas se formam?
Tudo começa com a infiltração de água na camada semipermeável do gelcoat.
Dentro do laminado existem pequenas bolhas e fissuras, e esses locais podem conter componentes solúveis (como estireno ou catalisador não reagido) que, ao entrar em contato com a água, sofrem hidrólise.
A hidrólise produz ácidos carboxílicos (como o acético) e álcoois, que reduzem o pH no interior e reforçam o processo osmótico.
A hidrólise é a reação química em que uma molécula é quebrada pela adição de água, formando novas substâncias. Pronto: está criada uma solução mais concentrada, que atrai mais água por osmose para dentro desses espaços, igualando a concentração e aumentando a pressão interna.
Eventualmente, o gelcoat não suporta e formam-se as bolhas. Essas bolhas destroem a ligação entre as camadas do laminado, causando delaminação.
Quando o processo ocorre em uma região sólida do laminado, onde a estrutura é resistente o suficiente para conter toda a pressão da reação química, geralmente não há consequências.
Embora não devesse ocorrer, o processo manual de laminação permite, por erro humano, a formação de grande quantidade de bolhas, e é exatamente nesses microambientes que o problema começa.
E o que isso tudo significa?
Na prática, se as bolhas forem pequenas, mesmo que grande número, dificilmente a integridade estrutural do casco será afetada.
Geralmente, os problemas estruturais aparecem quando as bolhas estão próximas à quilha, região muito exigida mecanicamente. Mesmo assim, para haver falha, seria necessário uma infestação enorme de bolhas grandes e profundas, algo muito raro!
Para uma avaliação mais precisa nesses casos graves é necessária cautela, experiência e muita paciência. Qualquer precipitação nessa fase pode encerrar a negociação do veleiro.
Resultados 100% assertivos são obtidos com ultrassom e termografia, porém a utilização desses instrumentos ainda não é disseminada no Brasil.
Até mesmo o instrumento básico para medição de umidade não é muito comum, o que torna as avaliações “mais visuais e estéticas”, do que propriamente técnicas.
Osmose em barcos novos
A osmose não é exclusividade de barcos antigos. Barcos novos também podem apresentar o problema por diferentes razões: uso de resinas de baixa qualidade, mão de obra deficitária, mistura imprecisa dos componentes, falta de controle de umidade e temperatura no ambiente de laminação, ausência de controle de qualidade, entre outros.
O processo de absorção de água é bastante lento, mas quando a laminação é precária, amadora ou de qualidade inferior, o tempo de absorção pode acelerar drasticamente. Um casco mal construído, imerso na água por mais de duas semanas, já pode apresentar sinais claros de absorção.
Medindo a umidade
Para evitar ao máximo erros de medição, recomenda-se que as leituras sejam feitas apenas 24 horas após a retirada do barco da água.
O ideal seria estender esse tempo, mas isso é quase impossível por questões de custo. A recomendação do tempo mínimo de espera vem do International Institute of Marine Surveying.
O motivo é que, logo após retirar o barco da água, as leituras de umidade são altíssimas. Com o passar dos dias, esses valores diminuem substancialmente.
Barcos mais antigos, fabricados com resina ortoftálica, baixam os percentuais de umidade mais rápido do que os produzidos com resina isoftálica.
Os instrumentos não medem a umidade propriamente, mas sim a condutividade elétrica. Sendo assim, pigmentos condutivos no gelcoat podem confundir o medidor, que acusará altos índices de umidade, mesmo quando isso não está acontecendo. Da mesma forma, placas de reforço metálico e cabos elétricos também podem interferir na leitura. Outro ponto: esses instrumentos devem ser usados comparando áreas abaixo e acima da linha d’água, para estabelecer uma linha de base.
Uma medida isolada não é confiável. O percentual de umidade alto não indica necessariamente falha estrutural.
As embarcações antigas costumam registrar leituras elevadas de umidade, mas não necessariamente apresentam bolhas ou delaminação.
Alguns instrumentos de têm excelente profundidade de leitura e podem captar alguma água escondida nos porões e no poceto, levando o avaliador ao erro.
Inspeção acústica
A inspeção acústica pode ser realizada logo após a retirada do barco da água, basta limpar bem o casco e esperar a água escorrer um pouco.
Utilizam-se martelos não metálicos para identificar falhas na laminação, avaliar a rigidez de áreas relevantes, além de mapear a extensão e a distribuição da delaminação.
O som de uma área íntegra e rígida é claro, agudo e ressonante, semelhante ao som de um sino. Isso ocorre porque o martelo produz um impacto breve e bem refletido, com pouca absorção interna.
Já o som de uma área menos rígida, com delaminação ou bolhas, é mais abafado e oco. O martelo “afunda” um pouco, o que prolonga o tempo de impacto e reduz o pico de frequência, resultando num som parecido com o de uma madeira oca.
Variações de espessura, presença de longarinas, reforços e até mesmo camadas de tinta acumuladas também podem alterar o som, mesmo em áreas sem defeito.
Como este tipo de inspeção é muito subjetivo, depende muito da habilidade do avaliador e da comparação com áreas saudáveis. Por isso é tão importante ter critério e cuidado antes de condenar um casco por excesso de umidade.
Resolução temporária da osmose
É importante entender que, mesmo curando as bolhas, novas poderão surgir com o tempo. Essa é a natureza da construção em fibra de vidro.
Bolhas pequenas podem ser removidas pontualmente, se a contaminação não for generalizada.
Nos casos mais extensos, recomenda-se remover todo o gelcoat do fundo.
A secagem completa ao ar livre (em local protegido da chuva) pode levar semanas. Existem métodos de secagem mais rápida, como vácuo ou calor.
A remoção total do gelcoat não é prática comum por aqui; o que se vê com frequência é o tratamento bolha a bolha. Nesse método, abre-se cada bolha até encontrar uma área seca, lava-se com água em abundância e espera-se a completa secagem.
Por fim, aplica-se massa epóxi e laminação, se necessário.
O fato é que não podemos evitar a contínua absorção de água, mesmo após a aplicação de resina epóxi. Embora essa resina tenha permeabilidade extremamente baixa, mais cedo ou mais tarde pequenas moléculas de água irão atravessar a barreira.
A osmose deixa o barco mais pesado?
A osmose não ´chega a ser um problema de peso a mais, já que o laminado retém apenas 2 a 3% do seu peso em água.
O aumento real e significativo de peso pode ocorrer em cascos que utilizam sanduíches de material absorvente, como balsa, compensado, espuma de poliuretano e outros.
Existem consequências práticas
A água retida nas bolhas aumenta a flexibilidade do laminado, mas isso não significa que houve perda de resistência estrutural.
Se a avaliação confirmar que a osmose não comprometeu a estrutura, pode fazer sentido fechar negócio.
A negociação
Solicite orçamentos de profissionais com experiência comprovada em tratamento de osmose e seja firme ao definir o valor.
Deixe claro que não aceitará arrependimentos posteriores em relação ao orçamento. A prática de reajuste de valor conforme mais bolhas são encontradas é comum.
No momento da negociação com o proprietário, faça uma proposta fundamentada no orçamento para o tratamento da osmose.
É razoável pedir redução para cobrir os custos do serviço.
Em resumo
Não rejeite um barco mais velho apenas porque ele teve osmose. Lembre-se: osmose não é exclusiva dos mais antigos – barcos novos podem esconder surpresas abaixo da linha d’água.
Considerando a idade média da nossa frota, encontrar um barco que nunca teve osmose pode ser missão quase impossível.
Bons ventos!