Travessia Oceânica em Florianópolis

Experiências que ficam para a eternidade!!

Escola de Vela Oceano – tripulação

Imagens: todos os tripulantes documentaram

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Texto: Marcelo Visintainer Lopes

Instrutor de Vela

Escola de Vela Oceano

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Veleiro Oceano 6

Travessia Oceânica com Flávio Jardim e Marcelo Lopes

Dia da saída: sexta, 11 de dezembro

Hora da saída: 10h45

Tripulação: Gabriel Soares, Leonardo Carpegiani, Rodrigo Machado e Josadaik Alcântara Marques.

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Uma travessia à vela não começa quando deixamos a poita e sim nas semanas que antecedem a saída.

A preparação envolve muitas revisões e toda antecedência é bem-vinda.

Já deixei o casco limpo e revisado duas semanas antes, assim como os principais abastecimentos de diesel, água dos tanques, água potável, gás de reserva e provisões secas.

No momento do embarque levei comigo apenas uma pequena mochila de roupas e os congelados e resfriados.

A previsão do início da semana não era das melhores, mas com o passar dos dias ela foi melhorando e culminou com tempo bom e a presença dos ventos de NE.

A ideia do primeiro dia era velejar contra o vento e procurar um pernoite tranquilo ao norte.

O vento soprou de N a NE (15/18 nós – 30 a 36 km/h) e a previsão era de uma velejada 6 a 8 horas de duração.

Partimos de Santo Antônio de Lisboa rumo à Ilha do Anhatomirim e depois de algumas cambadas com mar de proa alcançamos o abrigo da Enseada da Armação (Gov. Celso Ramos).

Ancoramos por alguns minutos na Praia do Tinguá para saborear um delicioso arroz cremoso com frango desfiado e linguiça Blumenau.

Durante todo o trecho até o Tinguá a maré estava enchendo, fazendo com que a nossa velocidade diminuísse.

O mar estava NE e ENE com menos de 1m e período curto (6”) com ondas de vento vindas de NE e desencontradas.

A temperatura ficou entre os 25° a 28°, mas com sensação térmica mais fresca por causa do vento contra (21°). 

O clima era perfeito para velejar e ouvir as fantásticas histórias do Flávio Jardim em suas experiências da volta ao mundo e também na sua epopéia de velejar do Chuí ao Oiapoque de windsurf.

Quando Flávio descansava um pouco a sua garganta eu entrava com o meu conteúdo, demonstrando as técnicas que permitem combinar performance, menor desgaste do equipamento e o conforto da tripulação.

Muita gente acha que é impossível administrar estes fatores ao mesmo tempo, mas na velejada de cruzeiro isto é totalmente viável.

Não estamos competindo contra ninguém e sim administrando o melhor resultado de velocidade com o menor esforço do equipamento.

É por isto que prefiro velejar por algumas horas e sentir as condições do mar, antes de definir o destino.

Sei que nem sempre isto é possível em uma travessia, mas na nossa velejada aqui em Floripa, decidimos sempre pela melhor rota. 

Nunca saio com um plano completamente pronto, pois as condições mudam muito ao longo do dia.

Minha flexibilidade vai do plano A ao Z e sempre colocamos o bem estar da nossa tripulação em primeiro lugar.

Tínhamos seis letras do alfabeto para utilizar no primeiro dia: Ilha do Arvoredo, Zimbros, Porto Belo ou voltar para o Tinguá, Baia dos Golfinhos ou Baia de São Miguel.

Após o almoço seguimos por duas horas rumo ao Arvoredo e em função do estado do mar e do aumento do vento, decidimos voltar e pernoitar no sossego do Tinguá.

Estávamos a uma milha de distância do Arvoredo quando tomamos esta decisão e o retorno foi com ondas e ventos favoráveis.

Ancoramos no Tinguá e logo colocamos os SUPS na água. Dois foram remar e o resto foi nadar.

Fiquei por ali preparando a nova churrasqueira do Oceano VI (3 x maior do que a antiga).            

Escola de Vela Oceano – final de tarde no Tinguá
Escola de Vela Oceano – Praia do Tinguá

No sossego do Tinguá, além das diversas lanchas, estavam o Veleiro Pangeia do Betão (também daria a volta da ilha) e o Veleiro Joca do João, ambos meus vizinhos da Marina Santo Antônio.

Dormimos antes das 22h, pois estávamos exaustos e de barriguinha cheia.

A noite foi muito tranquila e com o mar liso igual a uma lagoa. Parecia até a cama lá de casa que não balança.

Acordei cedo para ver o sol nascendo e em seguida preparei o café da manhã.

Levantamos âncora às 8h e o vento NE já soprava com boa intensidade (10/12kt).

Com a proa na Ponta do Rapa (ponto mais extremo ao N da Ilha de Santa Catarina), seguíamos firmes na intenção de dar a volta na ilha.

As condições estavam bem favoráveis para a missão se completar com sucesso.

Muitas vezes eu cheguei lá fora e acabei mudando de planos por falta de boas condições.

A velejada seria com vento de popa pelo lado de fora da ilha e vento contra pelo lado do mar de dentro.

A previsão para os dois dias finais não baixava dos 18kt e acabou dando até mais que isto, com rajadas passando dos 22kt.

O sol novamente marcou presença e a temperatura continuava agradável.

Contornamos a Ponta do Rapa, deixamos a Praia Brava e os Ingleses por boreste e rumamos em direção à Ilha do Campeche utilizando o pau de spi para armar a genoa para o lado contrário da vela grande (asa de pomba).

Escola de Vela Oceano – Pta dos Ingleses no BE e Ilhas das Aranhas na proa

O barco voava naquele mar verde e quase liso.        

Com uma ondulação pequena e com ventos constantes o barco fazia médias superiores a 6,5kt, chegando a picos de 9kt quando o vento aumentou próximo do meio dia.

Passamos encostados na Barra da Lagoa e na Praia Brava e de sobra entramos Joaquina a dentro para dar uma curtida no visual.

Chegamos ali pertinho da pedra e logo atrás da arrebentação.      

Escola de Vela Oceano – Praia da Joaquina
Escola de Vela Oceano – Joaquina na popa

                          

Fizemos umas fotos históricas colados na praia e rumamos para o Campeche que nos aguardava para o almoço.

Chegamos à ilha às 12h45 e comecei o almoço com uma entradinha de pepino japonês e com o prato principal de arroz branco e carne assada.

Enquanto isto, no horizonte ao SW uma grande formação escura se aproximava…

Os primeiros barcos da regata de volta da ilha já haviam passado pelo Campeche e os retardatários vinham bem atrás. Alguns não haviam sequer contornado a Lagoinha do Leste.

Minha esposa ligou de Garopaba dizendo que havia entrado um forte temporal vindo de SW e então presumi que aquela nuvem que eu estava visualizando não era uma coisa isolada…

Terminei de organizar a cozinha para nada voar ao chão e aceleramos forte para buscar abrigo na Praia da Armação.

Realizamos todos os procedimentos de tempestade e seguimos voando contra o tempo.

Os procedimentos mais comuns são: baixar vela grande e amarrar bem para que não corra o risco de abrir, enrolar a genoa bem apertada e colocar pelo menos um cabo de segurança acima das escotas (enrolar uma ou duas adriças cruzadas também ajuda bastante), vestir roupas de tempo, lacrar vigias e gaiutas, fechar registros, guardar tudo o que possa cair dentro do barco, cintos de segurança ligados à linha de vida e aí vai…

Escola de Vela Oceano – tempestade se aproximando

Escola de Vela Oceano – tempestade em cima

O Betão do Pangeia vinha logo atrás e mais por fora do Campeche e recém havíamos falado da possibilidade de aproximação da nuvem de vento.

Ele estava com a proa lá para os lados das Moleques do Sul e ali permaneceu, pois não haveria tempo de buscar abrigo.

Estávamos a apenas duas milhas da Armação quando a nuvem chegou trazendo o vento forte.

A chuva forte tocada com vento chegou parecendo tiros de calibre 22mm.

Mal dava para ficar de olhos abertos. Só de óculos para suportar!

Escola de Vela Oceano – rumo à Lagoinha depois da primeira acalmada

Seguramos no motor atrás do costão da praia do Matadeiro por quase uma hora.

Ficamos indo e voltando, comendo e conversando enquanto assistíamos aquele belíssimo espetáculo da natureza.

Enquanto isto, lá fora, os barcos menores da regata lutavam para resistir à força dos ventos. Alguns sem velas, outros velejando com as genoas semi abertas e outros motorando com as genoas batendo por não terem sido enroladas a tempo.

As rajadas em mar aberto alcançaram os 42kt (medido), mas na aceleração da descida nos costões, tranquilamente alcançaram os 50kt (observado).

A água do mar era sugada para cima formando pequenos redemoinhos.

Estávamos em uma situação bastante confortável abrigados das ondas de vento, mas não podíamos dizer o mesmo dos nossos amigos da regata.

O vento deu uma trégua e avançamos uma enseada em direção ao sul, como se fosse uma jogada de xadrez.

Conseguimos alcançar a Lagoinha do Leste.

Que lugar lindo!

A formação de pedras e a altura dos costões não se parecem com nada que a gente vê em toda volta da ilha.

A praia é uma das mais bonitas da região e o acesso é feito por trilhas ou por barcos.                           

Escola de Vela Oceano – costão sul da Lagoinha

Dali dá para contemplar bem de frente as Moleques do Sul que são as ilhas mais afastadas do extremo SE da Ilha de Santa Catarina.

Esperamos mais uma baixada do vento e tocamos pau no motor rumando para as Ilhas Irmãs que ficam entre o Pântano do Sul e a Praia dos Naufragados.

De genoa aberta e motor ajudando a empurrar, vencíamos pouco a pouco aquelas ondas curtas e picadas que vinham do sul.     

Escola de Vela Oceano – genoa e motor para vencer o costão do Pântano

Muitos barcos de pesca aproveitaram o embate das Ilhas Irmãs (Irmã do Meio é a mais abrigada) e ali permaneciam fundeados.

Um show aéreo nos aguardava próximo ao costão dos Naufragados.

Eram os Trinta Réis enlouquecidas em cima de um cardume gigante.

Eram centenas e centenas… Dizem os especialistas de plantão que os peixes maiores estavam caçando os menores e estes buscam a superfície para fugir dos predadores de baixo.

Mal sabem eles que os predadores dos céus estão ali esperando a oportunidade…

A natureza é mesmo perfeita!

Como se não bastasse o show aéreo da pesca frenética dos Trinta Réis começaram a surgir diversas baleias em frente ao mesmo costão.

Eram muitas e muitas. Uma inclusive nos acompanhou a menos de 20m do barco.

Não conseguimos identificar a espécie. Eram quase do tamanho do barco e possuíam uma pequena quilha (parecida com uma prancha) sob o dorso.

Vimos outra espécie de baleia passando na nossa popa, mas também sem sucesso de identificação.

É muito difícil de descrever a sensação de pertencimento.

A natureza e nós, nós e a natureza. Como se fôssemos um só!

Depois daquela velejada fantástica de asa de pomba voando até a Ilha do Campeche e depois do espetáculo proporcionado pela tempestade, mais uma obra de Deus, bem ali ao nosso lado!

Vivenciamos e assistimos de camarote tudo aquilo!

Para completar, cruzamos com o Pangeia próximo das Irmãs e entramos praticamente de mãos dadas no canal da barra sul.       

Escola de Vela Oceano – Pangeia no Farol dos Naufragados – barra sul

         

O vento ainda de sul já dava sinais de que iria parar. Era só uma grande trovoada e logo o vento nordeste voltaria a atuar.

Betão do Pangeia foi na nossa frente mostrando que iria fundear no Saco da Caeira (logo na entrada da barra sul) e ali ficamos juntos até o amanhecer.

O canal de acesso ao Saco é bem encostado nas pedras e depois ele abre um pouco.

O local é uma pequena e rústica vila e é a última comunidade antes de iniciar a trilha da Praia dos Naufragados.

Foram 10 horas muito intensas neste segundo dia e a tripulação estava exausta.

Não precisei nem ir para a cozinha preparar o jantar.

Servi pães e patê, cerveja e vinho (levado pelo tripulante Rodrigo).

A Caeira não é o melhor abrigo das ondinhas noturnas de NW, mas mesmo assim foi uma noite bem dormida.

Acordamos cedo e partimos por volta das 7h30 da manhã.

Retornamos pelo canal secundário para depois acessar o canal principal. O lugar é fundo, mas possui muitos bancos de areia bem ao lado e se sair do canal encalha.

Consultei a tábua de maré que marcava 0,0m e então decidi cruzar por cima do banco de areia.

Preparei a tripulação para um possível encalhe e fiz todos sentarem.

Encalhar ali com aquela maré me dá condições de passar por cima do banco com a maré cheia e foi o que eu fiz: demos uma tocadinha no fundo de areia e saímos de ré com todo mundo na borda!

Agora a experiência estava completa!

Saímos do encalhe em menos de 30 segundos e logo retornei para o canal junto às pedras.

Uma experiência de encalhe e desencalhe não tem preço!

Sempre que a condição permite eu tento encontrar um baixio para proporcionar esta experiência transformadora.

A maré estava totalmente seca e começaria a subir em pouco tempo. Se fosse com a maré vazando eu deixaria o exercício para outro momento mais propício… kkkk

Os futuros velejadores precisam perder o medo de encalhar e precisam conhecer as técnicas básicas de desencalhe.

A partir da Ilha dos Cardos não existem mais bancos para o lado do continente. Problemas só para o lado da ilha, entre a Tapera e a Ponta Caiacanguçu, com banco de pedras e baixios…

Nosso destino estava bem na direção do vento e por isto começamos a bordejar nos extremos entre ilha e continente.

O vento NE soprava com rajadas entre 18 e 20kt com ondas curtas e pequenas, mas que davam um banho de vez em quando…

Ainda tínhamos mais umas 7 horas de contravento forte pela frente!

Conforme nos aproximamos do Ribeirão da Ilha as ondas foram diminuindo e a velejada ficou bem menos molhada.

Deixamos a Laje do Cação e a Ilha do Largo por bombordo e rumamos para a Baia da Palhoça.

La dentro da baia cambamos novamente para as proximidades do banco Tipitinga que fica em frente ao Saco dos Limões (próximo do aeroporto de Floripa).

Cambadas do continente para a ilha e da ilha para o continente persistiram pelas quase 5 horas da velejada pelo mar de dentro até as pontes.

Nas proximidades de São José e já bem próximos das pontes realizamos diversas cambadas não programadas para evitar as redes de pesca.

Pela frente mais um desafio: com a maré enchendo e com o vento NE soprando forte, a força da correnteza de maré em baixo das pontes é absurda.

Escola de Vela Oceano – motor e vela para vencer a forte correnteza

Ali em baixo das pontes e nas proximidades é muito fundo e beira os 30 metros.

O vento estava bem na cara e então pedimos a ajuda do motor, pois sem ele seria impossível andar para frente.

Verdade!

Não conseguiríamos avançar se não fosse a combinação de velas e motor!

Não é em todo lugar que acontece este fenômeno, mas nas entradas de barra é bem comum.

De baixo da ponte Hercílio Luz até Pedras de Fora (na beira mar norte logo em seguida do corpo de bombeiros, passamos por uma condição nervosa de águas revoltas de maré (quase uma pororoca).

Das pontes para o norte a condição ficou muito mais dura, com ondas maiores, mais picadas e totalmente desencontradas.

Mais um desafio pela frente!

Estamos acostumados com desafios!!

Chegamos na Marina Santo Antônio às 14h30, depois de 7 horas de contravento!

Tripulação feliz, com o sorriso estampado no rosto e aquela sensação de dever cumprido.

Escola de Vela Oceano – brinde da missão cumprida

Velejamos aproximadamente 120 milhas e pegamos quase todas as condições possíveis no caminho (só faltou um mar gigante).

Experiências assim não tem preço e é exatamente para isto que nos propomos a realizar este tipo de velejada!

A terceira edição já tem data e hora para ocorrer!

Está marcada para os dias 15, 16 e 17 de janeiro e as inscrições já estão abertas!

Corre lá e garante uma vaga antecipada até o dia 31 de dezembro com desconto de R$ 500,00.

Até a próxima!

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