Relato da viagem de Tapes a Rio
Grande a bordo do veleiro Oceano VI realizada nos dias 14 e 15 de junho de
2013.
Previsão do tempo :
A maioria dos sites indicava vento S com mais de 20 nós para a sexta, dia
da saída.
A virada para SE estava prevista
para após às 00h do sábado, passando para E no decorrer do dia.
Eu e o Kauli chegamos a Tapes na
sexta-feira às 10h para adiantar os abastecimentos e revisões. Os outros
tripulantes (Leonardo, Rodrigo e Roberto) chegariam às 14h30.
O horário previsto para a saída
era ás 17h30 e depois da chegada do outros tripulantes continuamos os
preparativos. Roberto e Rodrigo prepararam os sanduíches enquanto eu fazia o
jantar. O vento estava forte e lá fora as ondas ultrapassariam 1,5 metros com
facilidade. O mais sensato era cozinhar enquanto tudo estava calmo.
Depois da preparação da comida
iniciamos o plano de navegação. Sempre tenho meus planos prontos, mas faço
questão de que todos os tripulantes
pratiquem e se apropriem de tudo antes da saída. Mais tarde, se
perguntado, todo mundo sabe de cabeça o rumo, as distâncias e os tempos médios das
pernas.
Tudo ok. Vamos partir. São 17h30
em ponto. Aproveitemos a luz para passar pelo canalete do clube. Sem ela a situação
se complica, pois as laterais são rasas e encalhar na saída não é nada auspicioso...
O vento sul começou calmo por
volta do meio-dia, confirmando a previsão. Com ele veio um cinza escuro de
chuva. Parecia chover nas cidades do entorno, mas nenhum pingo caiu em Tapes.
Perto das 15h as rajadas já
chegavam a 18 nós e a temperatura despencava rapidamente. Pedi para que todos deixassem
à mão seus equipamentos de frio e água (casacos e calças impermeáveis, luvas e
gorros), já que a navegada seria longa, fria e desgastante...
Saimos a motor e fomos com ele
até lá fora com ondas que passavam de 1 metro com séries maiores..
A noite caiu rapidamente. Velejávamos
com a vela grande rizada na primeira forra e com a genoa toda aberta. Tínhamos
mais de 20 milhas de contra-vento pela frente até o farolete dos Desertores e dos Desertores para frente, pelo
menos 15 milhas até Dona Maria, ainda de contra-vento.
A condição estava realmente dura.
As ondas da série já alcançavam 2 metros e a tocada no contra-vento estava
muito técnica. O barco não terminava de sair da onda e já vinha outra quebrando
em cima. Parecia pequeno o 34’ para aquela condição. Já havia pegado mares bem maiores
com outro Wind 34’ em Salvador, mas nas vagas grandes a velejada acaba sendo
muito mais suave.
O vento de 25 nós chegava aos 30 nas
rajadas e com isso a sensação térmica permanecia constante, perto do zero graus
(temperatura ambiente de 10 graus x 25 nós de vento).
Próximo das 22h já havia altura
para cambar e passar pelo Desertores, mas em virtude da dureza do contra-vento
e do frio resolvi refletir...
Meu plano inicial era velejar
toda a noite para chegar ao Canal da Feitoria antes do meio-dia. O canal é
feito somente de dia e do seu início até Rio Grande são pelo menos 06 horas (se
você fizer tudo certo e não encalhar).
Estávamos a menos de 2 horas de
um bom abrigo de Sul e talvez fosse uma boa darmos uma parada para o reaquecimento do corpo.
Foi então que rumamos para o
Cristovão Pereira, um antigo farol com 127 anos de idade e 28 metros de altura.
A sua enseada oferece abrigo de SW a E.
Baixamos as velas e motoramos até
a enseada. Âncora, capuccino e cama! Fiz umas contas rápidas antes de deitar e
concluí que tínhamos não mais de 3 horas de descanso (por causa da distância
até a Feitoria – 60 milhas).
Despertador para às 3h da
madrugada.
3 horas mais tarde soa o
despertador!
Maravilha de descanso. Pareceu
uma noite inteira de sono.
Mal tocou o despertador e eu
pulei lá pra fora direto no motor. Levantei o ferro com todos ainda lá em baixo
e tratei de acelerar. Não tínhamos tempo
a perder. Um atraso na entrada da Feitoria pode significar um erro estratégico
enorme. Os navios costumam ficar ali em volta da bóia de acesso do canal
esperando amanhecer para seguir viagem. Com cerração, ninguém vai! Para um
navio é fácil ficar no meio do nada, sem proteção de vento e ondas, mas para um
veleiro de médio porte não é bem assim.
O plano C, se desse algo errado
no horário de chegada, era entrar em Pelotas para o pernoite e sair no domingo
cedo.
Contornamos a bóia do banco em
frente ao Farol Cristovão Pereira a motor e seguimos com ele por mais algumas
milhas tentando ganhar altura para diminuir o número de cambadas até Dona Maria,
11 milhas ao sul. O vento cedeu e quase parou e por isso tivemos que permanecer
no motor por mais umas duas horas. O céu estava completamente limpo e as
estrelas ditavam o rumo, com Dona Maria no Rmg 215.
Por volta das 5h o vento SE
entrou com uns 12 nós e desligamos o motor. Uma velejada clássica, porém gelada.
Começamos os mini-turnos quando saímos do Cristovão. Se fosse numa travessia
normal ninguém dormiria de vontade de ficar acordado para curtir, mas com o
frio que estava era importante que cada um, em seu respectivo turno estivesse
zerado e aquecido. Qualquer vacilo na navegação por causa de sono pode custar
caro na lagoa.
O dia amanheceu nublado junto ao
horizonte e o sol demorou em aquecer. A esta altura estávamos próximos do banco
do Vitoriano e aos poucos o vento foi diminuindo. Ligamos novamente o motor
para auxiliar as velas e para manter uma média de pelo menos 6,5 nós.
Com esta velocidade chegaríamos à
Feitoria (25 milhas depois) por volta das 13h e tudo ocorreria como planejado
inicialmente.
Conforme o sol subia, mais clara
a água ia se tornando, até estacionar num lindo tom verde claro.
E com o sol veio o
descongelamento gradual de nossos corpos... Sem exagero nenhum!
A manhã passou voando. Nos entretemos muito com a aproximação de alguns
navios saindo e entrando da Feitoria e também com o fogo que eu havia colocado no
carvão.
A Feitoria não é o melhor local
do mundo para se assar uma carne, mas depois daquela noite gelada achei que os tripulantes mereciam um
assado para renovar o espírito.
Um olho na carne e o outro no eco
e no GPS. Toda a atenção a partir de agora é pouca. As bóias e demais marcas do
canal se confundem facilmente com as estacas cravados pelos pescadores. Eles
batem suas estacas na margem do canal e às vezes dentro dele. Muitas colisões
com estacas já ocorreram nesta região e por isso não podemos dar mole.
Tínhamos 03 GPSs ligados (dois
com cartas da Garmin e um com carta Navionics), mais o ecobatímetro.
A carta náutica de papel estava junto
de nós no cock-pit e volta e meia era consultada. Os erros das cartas da
Navionics e da Garmin existem e não são pequenos na Feitoria.
Muitas vezes as cartas diziam que
estávamos completamente fora do canal e na verdade (no visual), não estávamos. Por
muitos momentos, o erro de cada uma das cartas era diferente e por isso o eco e
os alinhamentos acabaram nos ajudando bastante.
Com as velas em cima e calçados
no motor, cruzamos a entrada do Canal São Gonçalo em Pelotas por volta das 16h.
Ainda havia umas duas horas de luz pela frente, tempo “quase” suficiente para
chegarmos a São José do Norte.
A aproximação noturna de São José
é bastante delicada e deve ser feita em baixa velocidade. Diversas estacas
estão espalhadas dentro do canal . A própria carta de navegação coloca os
avisos de precaução na região.
A noite caiu e como as estacas
estariam mais a boreste decidi enrolar a genoa para facilitar a visualização
(amuras a bombordo).
Ali estavam elas novamente, com
mais de 2 metros acima do nível da lagoa e em grande número. Cruzamos com dois
navios bem perto das estacas. Deixamos o primeiro por bombordo e o segundo por
boreste, a fim de garantir a segurança.
Rio Grande estava logo à frente e
a boreste. Só faltava contornar o canal e rumar para cima do porto. Passamos
pelo gigante navio plataforma Petrobras 58 (em construção) e batemos algumas fotos
do monstro.
A esta altura o relógio marcava
19h e dali até o Iate Clube de Rio Grande ainda tínhamos mais 3 milhas a motor.
Em baixa velocidade e com a
sensação de dever cumprido, chegamos ao clubei às 20h, exatamente 26 horas e
meia depois da saída de Tapes.
Depois de atracar o barco, demos
uma ajeitada em tudo e saímos para jantar. Afinal era noite de sábado e
tínhamos muito a comemorar...
Na sexta-feira estaremos aqui
novamente para mais um trecho da “Missão Travessias na Lagoa dos Patos”. Desta vez
vamos ao mar. Sairemos pela Barra de Rio Grande e velejaremos lá fora durante
todo o dia de sábado. Entraremos para dormir dentro da barra e no domingo mais
uma velejada lá fora. Sucesso pra todos nós!
Agradecimentos especiais e
parabéns pela bravura:
Leonardo, Kauli, Roberto e Rodrigo.
Porto Alegre, 18 de junho de 2013
Professor Marcelo Lopes